Especialista fala sobre os limites da lei e a liberdade de expressão
Capa: Assessoria de Comunicação/TSE
A Constituição Federal de 1988 garante a todos os brasileiros liberdade de escolha sobre a sua religião, no artigo 5º. Esse fato confere ao país a característica de ser um Estado laico, que não determina o credo que sua população deve seguir. Já na política partidária, o país tem vivenciado um debate às vésperas as eleições municipais, que chegou às portas do Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
“Essa polêmica se dá por causa da vantagem que essas candidaturas poderiam ter em comparação com as demais porque membros das igrejas estão sujeitos à ascendência dos seus líderes, embora, em uma democracia todos tenham o direito de emitir qualquer opinião, inclusive política, desde que não ocorram abusos dos limites da lei eleitoral e não representem ofensas aos preceitos constitucionais e legais assegurados”, afirma Acacio Miranda da Silva Filho, advogado, professor e doutorando em Direito Constitucional pelo Instituto IDP/DF.
Segundo ele, o tema segue sendo tema de polêmicas porque a legislação só indica os elementos que configuram dois tipos de abuso – econômico e político – para garantir que o processo eleitoral transcorra sem interferências. “Não há menção específica ao abuso de poder religioso”, esclarece.
A DISCUSSÃO
O centro da polêmica em evidência reside no TSE, que lançou a proposta de penalizar abusos do poder religioso, por meio do ministro Edson Fachin, em 25 de junho desse ano. O processo que originou a proposta está relacionado à vereadora de Luziânia (GO), Valdirene Tavares (Republicanos), pastora da Assembleia de Deus. De acordo com o MPE, a candidata utilizou de sua condição de autoridade religiosa para influenciar a escolha dos eleitores e intervir no direito constitucional da liberdade de voto.
Tanto o pai quanto a própria candidata foram condenados pelo juiz eleitoral, porém, o TRE absolveu o pai e manteve a condenação da vereadora. Contra ela, ficou apontado como ilícito o discurso com duração de cerca de 2 minutos e 50 segundos para aproximadamente 30 a 40 jovens do sexo masculino na instituição religiosa.
Até o momento, os três ministros que já votaram decidiram que as provas juntadas aos autos não são suficientes para cassar o mandato da parlamentar. No entanto, o caso servirá de base para a jurisprudência a ser aplicada pela Justiça Eleitoral em relação à atuação de líderes religiosos e candidaturas a cargos políticos.
ANDAMENTO DA VOTAÇÃO
Na última terça-feira (11), o placar ficou empatado em 1 a 1. O ministro Alexandre de Moraes foi quem deu o voto contrário ao colega Fachin, afirmando que “não se pode transformar religiões em movimentos absolutamente neutros sem participação política e sem legítimos interesses políticos”.
O ministro Fachin destacou que a missão da Justiça Eleitoral é proteger a legitimidade do voto e, em última análise, impedir que qualquer força política possa coagir moral ou espiritualmente os cidadãos, de forma a garantir a plena liberdade de consciência dos protagonistas do pleito.
O mesmo destacou ainda que é proibida a realização de proselitismo político no interior de templos de qualquer culto, conforme determina a Lei das Eleições (artigo 37, parágrafo 4º, da Lei nº 9.504/1997). Sendo assim, afirmou que a exploração política da fé religiosa encontra obstáculo tanto no âmbito da regulação publicitária (artigo 242 do Código Eleitoral), como na regra que trata da anulação de eleições viciadas pela captação ilícita de votos, “conceito que engloba, por expressa remissão legislativa, a interferência do poder (econômico e de autoridade) em desfavor da liberdade do voto (artigo 237 do Código Eleitoral)”.
Na quinta-feira (13), o julgamento foi retomado com o voto-vista do ministro Tarcisio Vieira de Carvalho Neto, que acompanhou a divergência aberta pelo ministro Alexandre de Moraes para acatar o recurso que inocenta a candidata (mesmo posicionamento do relator), mas sem aderir à tese de abuso religioso a ser investigado pela Justiça Eleitoral.
Ele citou que a garantia de liberdade religiosa e a laicidade do Estado não afastam os demais princípios – de igual estatura e relevo constitucional – que tratam da normalidade e da legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico e o abuso do exercício de função, cargo ou emprego na administração direta ou indireta. Também não afastam os preceitos que impõem a igualdade do voto e a igualdade de chances entre candidatos.
Com base nisso, lembrou o ministro Tarcisio, o TSE entendeu que não estão acobertadas pelo manto da liberdade religiosa condutas que, sob o pretexto de professar a fé em culto religioso realizado em local público, descambem para ilícitos eleitorais, como a realização de propaganda eleitoral e pedido explícito de voto para determinado candidato. Essa regra deve ser observada especialmente em data próxima às eleições.
O julgamento será retomado a partir das 19h da próxima terça-feira (18) com o voto do ministro Sérgio Banhos.